sexta-feira, maio 22, 2015

Arquivo temporário




Da vida ela faz rascunho
Espera escrever uma grande obra.

Um dia...

E ela não usa borracha.
Rasura seus passos sem piedade.

A vida que quer escrever será grandiosa
Épica com requintes trovadorescos
E amores de cavalaria

Não haverá erros.
Não haverá quedas, nem tropeços.

Será uma grande obra.
Será uma grande vida.

Mas ela ainda não começou a escrever.
Ela ainda está no rascunho.

Um dia...

Seria uma grande obra.
Seria uma grande vida.

Se ela não vivesse um rascunho de si própria.

Fragmentos inteiros



Boca
Seca
Cala


Ladra
Fala
Pede


Corpo
Sente
Cala


Nuca
Boca
Pede


Despe
Despede


Despedaça


Cospe
Cospe

quinta-feira, maio 07, 2015

Topada


Amo como quem tropeça.
Ando. Corro. Caio. Levanto.
Caio de novo. Levanto sorrindo.

Tenho pressa.
E tenho medo.
Mas tenho pernas.

Pernas bambas. Coração fraco.
Tropeço em cada passo dado.

Se paro? Nunca. Sigo em frente.
Tropeço é passo apressado.

É o soluço do caminho.
É desejo, minha gente.
É amor atrapalhado.

Quedo-me


Talvez eu volte.
Talvez eu volte qualquer dia.
Qualquer tropeço. Erro. Queda.
Se sigo, não fico. Inquieto-me. Acerto-me.
Dói. Machuca. Ferida. Cicatriz. Fica. Marca. Lembra.
Mas talvez eu volte. É que amar é como andar de bicicleta.


Dançando


Hoje eu danço ao lembrar de ti.
Estranho compasso.
Ritmo lento. Balanço cadente.
Ora música, ora silêncio.
Corpo cansado.
Porém danço.
Danço contigo
Sem você.
Danço comigo
Sem você.
E quer saber?
Sou um ótimo par. Danço bem. Só.

segunda-feira, maio 04, 2015

Eu teria


Se dissesse sim. Talvez.

Se sentasse ao meu lado mesmo tendo cadeira vazia. Eu emprestaria minha caneta a você em dia de prova. A minha melhor caneta. Escutasse aquela música que era a melhor de todos os tempos.

Se experimentasse aquele sorvete de sabor exótico. Mas era o meu favorito. Só por curiosidade. Se provasse aquele drink de cor estranha servido por aquele barman.

Aquela moça lindamente vulgar a sorrir pra você e se você sorrisse de volta. Na tentativa de  me provocar um possível ciúme.  Se me desse a mão na hora que não pedisse.

Se não virasse para o lado quando eu estivesse falando. Se não pedisse para que eu repetisse o que tinha acabado de dizer, pois não estava escutando. Se limpasse o canto da minha boca enquanto contava freneticamente sobre o filme que acabaríamos de assistir.

Se sorrisse quando eu estivesse brava. Se me abraçasse quando disse que ia embora. Se apagasse a luz. Se ligasse o som. Se ficasse. Se me deixasse ficar. Eu teria te conquistado.

Sala de estar [incompleto]



E pelos cantos da casa ela esconde suas tristezas
Cada imóvel guarda em si
Um segredo.

Movem-se dores e lágrimas
em meio a poeira

Mas a sala de estar permanece
Mesa e sofá sorridentes.

Mal se ouve os gritos da escrivaninha no fundo do quarto
Cartas nuncas enviadas mofam de silêncio.

E o espelho abriga pensamentos

Desejo


Te faço perigo. Não sou abrigo.
Arranco. Desfaço. Despedaço.

Se vier, eu digo.
Se quiser, eu falo.
Não calo. Pois quero. Pois tenho.

Apenas é o que quero.
Seja sincero. Serei também.
Não fazer sentido faz todo o sentido.

O que quer de mim perguntei outro dia.
Você não sabia.
Quanto desleixo nesse querer.

Estou esperando.
Estou esperando.
Estou esperando.

Se vier, não digo.
Se quiser, não falo.
Me calo. Me quero. Me tenho.

Estava esperando.
Estava esperando.
Estava esperando.

Estava. Pensava. Queria. Sentia.
E você não vinha. E você não via. E você. Não.

Prece


Vai
Amanhece
Veja a beleza do dia e enobrece

Vem
Acontece
Cala o desejo em forma de prece

Pede
Enlouquece
Grita a vontade que teu corpo despe

Fica
Fortalece
Sara ferida como se um beijo desse

Vai
Aparace
Canta a alegria que em ti merece

(...)

Mas vem
Pra mim
Cura essa dor em mim que te emudece

E cai
Aqui
Mata a saudade que em mim padece

Dorme
Assim
Que o nosso corpo junto amanhece

Sonha
Em mim
Vive esse amor que o tempo envelhece

Sim
Enfim.

Pressa


Essa vontade de tudo lhe contar. E nada lhe dizer.
Corre desesperada
Por entre gestos.
Por entre passos.
Por entre pressa.

Deseja beber cada palavra
Sorver cada gesto pele adentro.
Sentir a eternidade de um olhar
Escutar cada silêncio

Ansiedade por deveras.
Deseja desejar, simplesmente.

E segue.
Por entre passos. Por entre pressa.
Por um amor. Por uma prece.

Mudando-se


Ela era imóvel.
Era casa de si mesma.

Mas aquela noite resolveu mudar todos os móveis de lugar.
Mudaria um por um. Estava cansada, mas mudaria todos. Estava decidida.

Foi quando percebeu que não havia mais nenhum.
Nem na sala de visitas, nem no quarto dos fundos.
Nem o criado mudo, nem o guarda-roupa. Nada.
Não havia mais nenhum móvel por ali.

Seus móveis envelhecidos e empoeirados tinham ido embora.
E eles eram seu único motivo a permanecer naquele lugar.

Ela era o lugar. Parada.
Eles, móveis que eram, foram.

Então, percebendo-se sem motivos desmoronou-se por alguns segundos, arrancou seus próprios pés, quebrou as próprias pernas. Doeu, ela lembra. Doeu muito. Mas não havia mais lugar. Não havia mais em si. Ela envelheceu-se. Empoeirou-se e também foi embora. Fez-se móvel.

*leve prosa*



Construindo mundos


E no auge de uma madrugada qualquer, entre leituras e devaneios, lembro de algo que talvez tenha sido o fato mais importante de minha vida, o que me fez ser o que sou e ainda me fazendo...
Aos meados dos meus 5 anos, perdi a minha avó; fazendo com que meus pais passassem a me deixar sozinha em casa, mas com a vizinha "de olho"; mas para mim, eu estava sozinha em casa e com todas as responsabilidades. Colocava meu café da manhã semi-pronto e arrumado na mesa, preparava o meu lanche da tarde e, pronta, esperava minha mãe para ir para a escola.

Neste meio tempo de dia, muita coisa acontecia. Não sei se por castigo ou educação, certo período meus pais trancavam a televisão dentro do quarto deles. E, então, eu passava uma manhã inteira sem a telinha companheira. (Mas que crueldade, deixar uma criança sozinha em casa e ainda sem televisão!)

Então, o que eu fazia nesse meio tempo de dia?
O óbvio a se fazer, talvez. Eu criava mundos.

Todos os dias, das 8h às 11h30, eu inventava histórias e personagens. O suco instantâneo de uva na taça de cristal, com a caneta bic de piteira, eu era uma nobre dama, sentada à beira da porta a observar a rua e seus passantes. Quem olhava de longe, mal imaginava o que acontecia por ali... O casaco velho de adulto era uma enorme capa que dava poderes da invisibilidade. E, assim por diante, outras tantas personagens, personalidades...

Mais tarde, já por volta dos 8 anos, outra “punição”. Essa eu lembro que se tratou de um castigo mesmo. No mesmo ímpeto de rua, eu costumava ficar sentada na beira da janela da casa; numa altura maior que 3 metros. Se eu tinha medo? Acho que não, pois tomava café na janela, almoçava na janela, via o mundo todo na janela. Até que a vizinha fofoqueira contou à minha mãe: Gislene fica o dia todo pendurada naquela janela em tempo de cair. É muito perigoso.

Mas como pode uma janela ser perigosa?, pensei.
Hoje, sim, janelas são perigosas. Principalmente, se fechadas.

Nesse período eu já estava com televisão no quarto, mas não tinha tanto interesse assim quanto eu tinha pela janela. E então, qual foi o castigo pós delato da vizinha? Sem janela por tempo indeterminado!, disse meu pai. E o pior: ele tinha um amigo, que não iria dizer quem era, para ficar me vigiando o dia inteiro. Anos depois acredito que esse fiscal na verdade nunca existiu.
Parece inacreditável, nunca soube de castigo semelhante em outras famílias; meu pai pregou, sim, colocou pregos na cortina ao redor de toda a janela. Absurdo, não?! E ali começou mais uma fase; com televisão, mas sem janela. Nos primeiros dias, a tristeza era enorme, chorava por tamanha revolta. Mas um dia a calmaria chegou. Não a acomodação.

Então, sem janela, criei janelas.

Agora, os personagens era mais maduros, eu tinha palco, plateia e aplausos. Nunca tive amigo imaginário. Sabia que estava sozinha e era sozinha que eu fazia aqueles mundos. Todo um guarda-roupa em cima da cama. Não eram roupas, eram figurinos. O espelho? Não era um vidro com o meu reflexo. Era cada personagem e suas reflexões. Tinha, inclusive, personagem que brigava entre si ou mesmo sorria e chorava. Essa criança é louca. Talvez.

Mas dessa vez as histórias ganharam outro espaço, o papel. E comecei a arquivá-las em diários velhos. Nunca gostei de “escrever em diários”. Primeiro, para nunca correr o risco de alguém ler e descobrir todos os meus segredos. Segundo, se eram segredos, não poderia contar para ninguém, nem mesmo um caderno. Então, eu contava minhas histórias em forma de códigos, histórias e personagens.

Eu inventava realidades reais.

Mas o castigo ainda era cruel. Não estava contente. Até que a sutil curiosidade me fez observar uma pouco mais de perto como estava pregada na parede a cortina. Eis a grande descoberta: os pregos era pequenos e finos, com o menor esforço era possível atritá-los na parede que corroía e folgava o buraco. Fiz, como quem nada queria, no primeiro prego. Consegui tirar. E, com a cautela de um criminoso, tirei prego por prego. Abri a janela. Mas e o amigo de meu que estava a vigiar? Ah, vale a pena correr o risco. Lembro que passei os primeiros momentos tentando identificar quem seria o possível vigia; qualquer um era suspeito. E assim, voltei ao deleite de ficar horas e horas pendurada na janela. Mas e quando meus pais chegassem em casa? Não seja tola, é só colocar os pregos de volta, Gislene! 17h30, horário previsto para minha mãe chegar em casa. Prego a prego, sem deixar nenhum vestígio. Procurava o furo certo na cortina e lá prendia novamente à parede. Sem janela! E assim fiquei as férias inteira, entre abrir a janela retirando os pregos criminosamente, a espreita do vigia e, ao final do dia, fechá-la novamente. Se meu pai descobriu? Nunca. Mas o peso da consciência veio junto com a idade; e já nos meus quase vinte anos, numa corriqueira reunião de família, revelei meu grande segredo! Era o meu triunfo.

Hoje, tenho televisão, janelas e portas abertas. Mas ainda crio mundos e invento histórias. E, o mais importante: sei bem do perigo de uma janela fechada.




*



A caixa de brinquedos

Era uma vez uma criança a brincar. Tinha uma caixa de brinquedos gigante. Ali estava o seu mundo. Cresceu procurando companhia para brincar. Às vezes, encontrava alguém divertido e interessado em sua caixa de brinquedos. Esse alguém chegava e, ela animava-se e tirava euforicamente todos os brinquedos da caixa. Ia mostrando um por um. Contando todas as histórias que haviam por trás de cada brinquedo. Brincavam. E brincavam. Mas logo esse alguém resolvia ir embora. E ia. Então, ela tinha que arrumar toda a caixa. Era sempre assim. Alguém ia embora e ela arrumava tudo novamente. Sempre arrumava sua caixa de brinquedos sozinha. E ainda tinham casos em que o alguém, depois de brincar, ia embora tendo quebrado ou perdido algum brinquedo dela. Ou então chegava querendo brincar; mas, logo, se mostrava entediado. E, ela, sempre entusiasmada com tantas histórias. Mas, no final, sempre arrumava a caixa de brinquedos sozinha. Um dia ela cresceu, arrumou muito bem arrumada a sua caixa de brinquedos. Até encontrou companhias para brincar. Mas não abria sua caixinha de brinquedos por nada. Por ninguém. Agora ela brinca sem tirar seus brinquedos da caixa. E, quando o alguém vai embora, corre para sua caixa e desbanda a brincar sozinha. Assim ela aprendeu a se divertir. E como bem sabe arrumar sua caixa de brinquedos sozinha. Ela arruma. Ela desarruma. É a sua caixa. É o seu mundo. E de mais ninguém.



*



- Mãe! Vem cá... tô com medo!

(...) E um cafuné e um beijo no rosto lhe convencem que não há bicho papão no guarda-roupa nem debaixo da cama. Pois bem... Parece que crescer é não ter a quem gritar por ter um bicho papão no armário ou debaixo da cama. Gritamos a nós mesmo e tentamos nos convencer sozinhos de que não há o que temer. - Vai. Volta a dormir! Amanhã é outro dia! No entanto, para a crueldade ser maior, parece que a quantidade de bicho papão aumenta com o passar dos anos. Só não os chamamos mais de bicho papão e não estão mais no guarda-roupa nem debaixo da cama. Nós crescemos. Mudamos. E os medos também.



*

Encontro


Algum tempo depois, se encontraram num ponto de espera.
Recebeu um bombardeio de interrogações. E algumas reticências.
Nunca gostou de muitas perguntas. Mas também nunca teve muitas respostas.

- Oi?
- Oi.
- Como está?
- Bem.
- Cadê aquele meu sorriso doce?
- Guardei numa caixa, está no sótão.
- Cadê aquele abraço quente que recebia?
- Dobrei, está debaixo da cama.
- E o beijo demorado querendo ficar?
- Coloquei num envelope velho.
- Você não está usando mais nada?
- Não.
- O que aconteceu com você?
- Nada. Só arrumei as coisas.

(...)

Braços inquietos


E enquanto conversa com ele
Ela está inquieta
Seus braços movimentam-se. São tagarelas.

Contam histórias, fazem cenas, dão risadas.
As mãos agitam-se feito gotas ao cair em dia de chuva.

- Ela transborda-se em si mesma, dizia ele.
- Sou tão cheia que, em mim, não me suporto. Daí escapo-me por entre gestos, mãos e pernas, justificava ela.

Um dia ele a encontrou de braços cruzados. Estranhou, O que houve?
- Estou me controlando. Preciso me conter.
- Por quê?, perguntou.
- Tenho medo de me deixar escapar de mim e me perder aos poucos.

Ele riu, passou-lhe o braço por cima de seus ombros
E perguntou como quem nada queria como foi o seu dia...

Então, sem ela nem perceber
Suas mãos começaram a narrar histórias...
Seguiram o caminho. Seguiram a conversa.
Seguiram.

Pedaços


Ela vivia em pedaços.
Era sua forma de viver.
Cada canto, um estilhaço.

Vivia aos poucos. Quebrada.
Quando se perdia em alguém
O prejuízo era dos menores: apenas um pedaço.
E quando se dava para outrém, o mesmo: um mero caco.

Seu medo, porém, era um dia se esgotar de si.
Por isso, vivia se quebrando. Espatifando em cada pequeno caco.
Até um dia esfarelar-se. Viver em pó. Talvez, assim, ela vivesse mais.

E desfeita em pó, levada ao vento.
Suspensa ao menor sopro,
Dançaria em muitos de si.

Estaria em tudo. Seria de todos.
E viveria em pó.
Viveria em paz.
Voaria. Livre.
Livre de si.


pela pele


E dessa pele,
fez-se pranto.

E dessa pele,
faz-se canto.

E nessa pele, apele!
É pele que luta. É pele que sofre. É pele que dança. É pele que morre.

É pele mulata. Exótica. Pichaim. Fulanin.
Abusada. Gaiata. Malícia. Fartura. Porrada. Pega, ladrão! Foi ela! Olha a pele!

Não! Não é só de pele essa escuridão.
É imensidão de alma. É História.
Fala pela pele!
Grita!

.
.
.
(Pela Pele, Gislene Ramos)

Cale-se!


Não sou poeta, nem poesia.
Não preciso gritar que canto.
Eu silencio poesia.
Poesia é barulhenta. Faceira das brechas.
Ela encontra meios de se fazer escutar.
Não venha me dizer que é poeta.
A poesia já disse por você.
Cale-se e deixe-a gritar!

Tapa vadio e outras incompletudes

(...)

Eu não nasci pra ser de ninguém.
Confesso que tentei algumas vezes.
Ainda tento. E com certeza tentarei outras vezes.
Gosto de sentir o amargo de cada fracasso.
Ele me garante a dor do ser sozinha.
Dou-me diariamente tapas na cara.

O Fracasso é como um tapa na cara de uma puta vadia.
Que sorri após ter dado infinito prazer a um velho senhor sério.
Sério e sóbrio. Ela? Ébria e puta. Puta e sorridente.
Pois sabe que aquele tapa lhe impele à vida.
Pela vida. Pele limpa. Vida de puta!

Difícil mesmo é ser sozinha.
Ser já me é o bastante.
Mas ser sozinha é mais difícil.

O que é que você tem? Por que você está assim? Vai sozinho por quê? Eu fico aqui com você.
Quer conversar? Por que não está namorando? Por que não quer ter filhos?
Por que vai embora? Por que vai ficar? Fala alguma coisa.
Não fica calada. Não fica quieta. Não fica assim. Não fica sozinha.
É tão difícil.
Então me faço exercícios diários. Exercícios de fingimento.
Finjo maravilhosamente bem. Finjo ser sozinha. Finjo acreditar. Diante dessa mentira.
Acredito. E, iludida, sigo. Tentando ser sozinha. Tentando acreditar ser sozinha. Só isso. Só eu.

Senta. Respira. Olha pro lado.
Olha pra porta. Ela está em silêncio.
A Dúvida lhe faz cafuné e sorri baixinho. Se diverte.
Não é desespero. Apenas unhas roídas.
O pé da cama amortece o pé impaciente. O que sente?
Olha pro lado. Respira. Levanta.
Olha pra porta. Ela está em silêncio.
A Certeza foi embora sem dizer quando voltaria. Se voltaria.
Não é saudade. Apenas unhas roídas.

Breve amor onírico

.

Sonhou

Que tinha

Amor

Acordou

Acabou

.

Ela não gosta de acordar


Ela não gosta de acordar.
Dorme
como quem vive.
Acordada, sobrevive.
Dormindo, supervive.
E assim, segue dormindo. E acordando.
Vive. Vivendo. Sobrevivendo. Supervivendo.

Se


Se pede
Se despe
Se despede
Se despedaça

Amo


Amor é o que temos
É o que tenho
O que temo
O que tem
Tenho
Temo
A mor
Te
Amo

Sou f


Sou fraca.
Sou foice.
Sou faca.
Sou fraca.
Sou faca.
Sou foice.
Sou fraca.
Foi-se o que era doce. O que era foice. Sou faca. Foice. Sou.

Espelho


Há quem mude sempre. Cabelo. Roupa. Pele. Por fora.
Onde não me importo. Ali sou constante.
Do avesso é que sou mutante.
Não se vê. Não se nota.
Mas mudo. Meu mundo
Mudo mudando
O tempo todo.

Cheios


E lá estavam os dois na mesa do bar.
Um em cada canto. Cada canto com seu copo.

Ele, um copo de vontade.
Ela, um copo de saudade.

Eles nada pediam. Os copos estavam cheios.
Ela, saudade. Ele, vontade.

Por que não estão sentados à mesma mesa?
Ela, teria que dividir sua saudade. E ele, sua vontade.

O copo dela ainda estava cheio. Apesar dos grandes goles.
O copo continuava cheio. Cheio de saudade.

O copo dele também estava cheio. Não queria que esvaziasse.
E, por isso, apenas encostava os lábios ao copo. Queria ter vontade.

Ela, não conseguia esgotar a saudade.
Ele, não queria que a vontade acabasse.

E assim, permaneceram os dois naquele estranho lugar.
Ela numa mesa. Ele em outra. Com os copos cheios. Num bar vazio. Cheios.

*aforas*

*

Apesar do tempo. Minhas horas são minhas

*

Felicidade não existe. Acontece.

*

Vou embora todas as noites. Sem sair de mim.

*

E essa vontade de ir, mesmo sem estar.

*

Vocifera. É verbo. Se fera. Cuidado.

*

Sr. Talvez


E depois de tantos não's
Desistiu dos sim's.
Foi embora...
Na companhia de um talvez.

Aconteceu


Psiu...

Fiz um poema pra você.

Mas é segredo, você não pode saber.

Então, certa noite comecei a escrever e quando percebi, ops...

Esqueci.

Não do poema.

De você.

Aluga-se um sonho


Aluga-se sonho!
Faça agora mesmo o seu pedido!
Aceitamos encomendas e entregamos em domicílio
Cartão e cheque pré-datado. Sem consulta ao SPC ou Serasa.
Peça já o seu!
Sonho para qualquer vida!
Dos mais simples aos mais impossíveis!
Temos todos os preços para todo os bolsos.
Chega de comprar sonhos! É prejuízo!
Afinal, logo, você acordará e precisará devolvê-lo. Alugue!
Alugue o melhor sonho que você pode ter.
Mas atenção! Nossa única cobrança: Não o realize!
Caso aconteça, você pagará multa de uma vida inteira.
Além do mais, precisamos manter nossa clientela.

Futuro


Não quero lembranças de um passado morto.

Lembro-me somente daquilo que ainda não vivi.

Porque eu quero. Porque eu desejo.

Por isso, só lembro do futuro!

Exaustão

O que aconteceu?
Um corpo exausto caíste sobre mim
Caíste morto?
Não! Por excesso de vida
Tinha fortes batimentos
Tua pele estava quente e úmida
Então, como caíste?
Caístes entregue.
Como se estivesse a se entregar a mim
Observei teus olhos que, fechados, me escondiam um mundo
Eu não enxergava tal mundo
Mas o sentia
Cada pulsar descompassado
Roubava-me o tempo da respiração
Sentia-me dona daquele corpo caído sobre mim
Teu ritmo, teu pulsar, tua temperatura
Teu tempo...
(quando se tem o tempo, tem tudo)

E, sobre mim, estava entregue.
Estava exausto.

Migalhas


Era só um abraço.
E ficava feliz.

Era só um sorriso.
E suspirava.

Era só um beijo.
E se amavam.

Eram só migalhas. E felicidade.

Excessos


- Você é poesia demais para mim!, gritou.
- E você é cinza. Segunda-feira!, insultou.

Tinha mesmo poesia demais em si.
Era até previsível.

E ele? Era segunda-feira. Meio cinza. Dia nublado
E dia nublado é quando o céu está em dúvida.
Era o talvez das nuvens.

Ela gostava.
Segunda-feira é dia de ressaca
Ressaca de horas felizes
Ressaca de excessos.

Eles não eram excessos.
Mas sobravam em si.

Samba bem blues


"Se vier, traga-me um samba.
Mas se for, deixe-me um blues.
Enquanto isso, fico com rock 'n' roll, baby."

Quando você chegou fez-se festa por aqui
Vivia numa cadência ritmada que só
Pandeiro, cuíca e tantã eram meus parceiros
A alegria comandava meu dia

Quando você chegou tudo era samba... tudo era samba
Meu coração era avenida e você minha passista
E no morro eu morria de amor por você... tudo era samba.

Certo dia a noite baixou
Fiquei pianinho, quase chorei
Ela me deixou e deixou meu samba

Ah, mas eu imaginei quando vi o barraco vazio
Nada me deixou, nem bilhete, nem dor
Agora eu era só lamento
Sim, ela me deixou...

E, no morro, quase morro mais uma vez
Mas não mais de amor

E aquele meu samba ela levou.
O que tenho agora é esse blues a lamentar...

Faço da vida o que ela me fizer
O que ela me trouxer

Se vier traga-me um samba
Se for, deixe-me um blues...

Enquanto isso, rock 'n', baby... rock 'n' roll...
Pois acontece é que amanhã é outro dia.

Rabisco

Se falo muito sobre mim é para saber mais de você
Rabisco estranhezas em pensamento
E guardo em rascunhos invisíveis.

Se falo muito sobre mim é para ouvir o teu silêncio
Rabisco palavras não ditas, porém lidas
E lidas erroneamente, talvez.

Se falo muito sobre mim é para que me cale
Rabisque, em meus lábios, um beijo
Um beijo em forma de verso.
Um beijo em rabisco.

Leitura


Quando me olha
Sinto-me linda

Sinto-me um poema.
E sendo lida, me construo.
Me faço poema. Corpo em poesia.
Me faço em versos com as mais belas palavras.

E, em segredo, somente para ele
Me faço escrita.

Para ser lida. Por ele.
Para ser linda. Para ele.

Café e açúcar

E enquanto bebia o café,
saboreava o gosto de cansaço que ainda lhe restava.
Era meio rotina aquele quase sempre nunca.

Todas as noites eles se amavam. Todos os dias eles se morriam.
E no café da manhã, pão dormido com gosto de mágoa.

Voltou da cozinha após perceber o seguinte fato: acabou o café.
Mas ainda restava poesia e açúcar. Ali...

Delírio


Era só poesia que ela queria.
Ele achou que era amor, ela também.
Alguém se enganou.
É só poesia que ela quer. Sempre. Mesmo quando quase.
Finge bem. Engana bem. Esconde, se preciso for.
Por vezes. Parece delírio.
Tortura. Sina.
Lamento.

E ela ri. E você não percebe.
Mesmo quando chora, ela ainda ri.
Não. Ela não lhe engana.
Apenas o é.

Engano!

(só)riso
.

Uma dose


Certa vez, ela entrou no bar.

Estava sozinha. Mas ele estava com ela.

- Um dose de amor, por favor.

- Pra agora ou pra viagem?, perguntou o garçom.

- Pra sempre.

Pele


Numa noite como outra qualquer ao fim do dia
Ela foi se despir.

Tirou cada peça de roupa
Cada pesar das horas
Poeiras das ruas

Cada peça, uma história
Um cansaço, uma espera, uma dor

Diante do espelho
Ela ia sentindo-se despida
Daquele dia, daquelas horas, daquelas dores

No entanto, ao retirar todas as peças
Ainda sentia algo em seu corpo
Não eram horas, nem minutos
Era um pequeno instante
Grudava-lhe à pele
E não haveria banho que retirasse

Aquele instante não pesava, não cansava, não doía
Era suave e tinha cheiro
Sabor e cor

Preso à pele dela
Estava ele

De um dia qualquer, um instante
É que ainda estava com ela, aquele beijo distante.

(,)

Por hoje
Sou só (,) amor.





[quando a vírgula é facultativa]

Quando sobra



Saudade é aquilo que sobra...

Resto de abraço na camisa

Cheiro da vontade no nariz

Farelo de sorriso nas mãos

Fiapo de beijo no dente

Quando ainda resta,

.
.
.


É saudade.

i

amei
perdi
deixei
esqueci
abandonei


- Acho que i é a letra mais triste de todas...

Prolixa


Enquanto falava
Ela não era de indiretas.
Não que a fosse direta.
Ela era de curvas.
Era entrelinhas.
Prolixamente feita de voltas.
Rodopiava por entre linhas.
Fazia arrodeio como quem dançava.
Embaraçava-se nas próprias palavras.
Nos próprios traços. Nos próprios tropeços.
Dançava, caía e levantava.
E voltava a falar...

Não grite!

Cuidado com o que fala, meu jovem rapaz
Suas certezas são como espinhas na sua cara lisa
Ou seus pelinhos recém-crescidos em seu corpo

Não lhe chamo de imaturo, imagine!
Apenas peço para que grite baixo...

Mas.... quer saber? Quão idiota eu sou
Pobre e velho escritor a querer que tal juventude não grite.
Afinal, o que mais fazem a não ser gritar?

Vezes gritos de certezas, vezes gritos de choro.
Mas são sempre gritos juvenis...

Com a idade, meu jovem rapaz, a gente aprende a falar mais baixo...

Até que chegamos na velhice e silenciamos.
E, com o silêncio, ouvimos o mundo
Nos preparando para a morte.

Um conto que nasceu triste

Qual o perigo da Saudade?
É se acostumar com a ausência e viver de lembrança.

- Saudade tem prazo de validade, sabia?! sorrindo, ela disse.
- Como assim? Saudade estragada?, ele perguntou.
- Não, saudade  evapora. Feito naftalina, ela disse.

Tem forte presença
Mas, com o tempo, desaparece.

Cabisbaixo, ele falou, Talvez eu seja naftalina.
"Todos nós somos naftalina", concluíram em silêncio.

Trilhas

Ontem pela manhã peguei carona naquele trem
Não reparei bem, mas vi que você estava nele.
Quieto, no meu canto, fiquei
Não tinha pago a passagem

Você parecia sorrir
Admirei por uns instantes.

Então, alguém ao seu lado sentou
Senti um estranho ciúme
Ciúme de um estranho
Estranho...

Quem era
Aquele a sentir teu perfume matinal?
Quem era
Aquele a recostar o ombro direito em você sem nem lhe pedir?
Quem era
Aquele a poder ver seu sorriso secreto meio de lado?
Quem era...
Aquele era eu em desejo. Eu em vontade.
Eu em covardia. Eu em silêncio.
Eu que queria...

O trem parou. Você desceu.
Seguiu seu rumo. Sua trilha.
E ali, de carona, fiquei.
Sem passagem.
Sem caminho.

Aqueles


I

Sem deixar vestígios, eles foram embora.
Mas ela resolveu ficar no meio do caminho. No meio do nada.
Você vai ficar sozinha?, ele perguntou.
Sim. Por quê?
Eu também.
Também vai ficar?
Também vou ficar sozinho.
E sozinhos ficaram.
No meio do caminho.
No meio do nada.



Chegaram.
Ele, a escreve com os olhos.
Olhares desapercebidos. Fingidos.
Acredita ele que ela não percebe. Talvez.
Desenha curvas, sorrisos e memórias. Com entreolhares.
Eles não conversam como sempre. Agora, como nunca.
Quem por perto está, nada percebe. Eles são quase inexistentes aos comuns.
São comuns demais. Quase anônimos. Quase inexistentes. Um ao outro. Um a si. Eles.

II

Um beijo, disse ele.
Ela fez um silêncio como quem negava.
Eles se estranharam, pensei. Mas não havia nada de estranho ali.
Era mais um dos tantos momentos em que os corpos se uniam sem se tocar.
Sorrindo satisfeita, ela disse: outro.

Então, fiquemos como estamos, tá?
Tá. Então, fica?
Fiquemos.


III

Ela seguia, feito um cão vadio faminto.
Seguindo seu destino pelo próprio faro.
Não sentia fome, nem medo, nem frio. Nem nada.
Aliás, sentir não fazia parte de seu percurso.



IV

Beijos sem promessas
Era o que tinham naquela noite
Mas algo se fazia entre eles naquele vazio.
Não era de se compreender. Mas de acontecer.
Cada toque. Cada beijo. Cada qualquer coisa.
Naquele instante, eles se pertenciam entre si.
Sem ser de ninguém...


V

Ele nunca se lembra.
Ela sempre se esquece.
Ele tem passado.
Ela tem passado.
Eles não têm presente.
De longe,
Acenam para o futuro embaçado.



VI

Era meio carinho aquele silêncio dela.
Ele não compreendia. Sem saber, achava ser indiferença.
E preferia acreditar no sorriso ordinário lançado à multidão todos os dias.
Eles não sabiam conversar.

Se olhavam constantemente, mas não se viam.
Triste, não?! Que nada... Era a forma que eles encontraram de se perder por caminhos estranhos.
E a cada minuto viviam um fim.
Um fim que recomeçava a cada reolhar...


VII

Ela sente saudade daquilo que não lembra
Lembra daquilo que nunca existiu.
E deseja tudo o que inventa.


VIII

Calada, olhando para ele, ela perguntou:
- E essa dor, meu amor?
- Logo passa, ele respondeu sem nada dizer.
- Como?, ela suspirou.
(um beijo)
Foi quando quebrou o vidro de silêncio que havia entre eles. Continuaram.



[continua]

Arrependimento

.



Arrependimento é o restinho de Desejo que ficou.




.

Grávida

- Estou grávida, disse ela. Grávida de futuro!

- Aborta! Você mal sabe cuidar do presente!

.

Engano

Sem saber, ele deixou ela feliz com um "Como está?"

E ela, também sem saber, deixou ele triste com um "Muito feliz".

Alguém (se) enganou..."

.

Ai, que sério!


Ai, que cansaço pra sua exatidão
Para o não se perder
Para o não errar
Para o não!

Ai, que cansaço pro seu traço reto.
Para o sem curvas
Para passos
Errôneos.

Ai, que cansaço pra sua pontuação
Sou vírgulas inquietas.
Reticências e, depois,
interrogação.
Ponto e Vírgula. Erro de respiração.

Sou erros.

Ai, moço
Acho que vou me deitar
Espalhar-me diante das suas certezas e delas rir
Dormirei com os meus devaneios e sujas gritarias.

Esse teu silêncio é silêncio demais para mim!

Aliás, isto não é silêncio.
Isto, moço,
É barulho morto.
Que não se permite gritar.

É caminho traçado.
Que não tropeça.
Pulos comedidos.
Guarda-chuva em tarde de chuva fina.
Galochas frias em meio a divertidas poças d'águas.

Moço, cuidado
Tem roupa que gruda no corpo da gente
Que se muito fica
De repente, vira alma.

O terno, moço, pode ser eterno!

Anda...
Tira essa capa!
Tira esse terno!
Tira essa alma!
Tira essa vida!
E vai viver...

Cheia

Ela voltou vazia.
Voltou para casa vazia dele.

Você está cheia de mim?, ele indagou.
Com a voz mansa e suave,  respondeu: Estou vazia de você.
E estava mesmo. Vazia de silêncio, de respostas, dúvidas e certezas.

Vazia de vida.

Ela estava cheia do mundo. Estava cheia de Mundo.

domingo, maio 03, 2015

Silencio

sou só

palavras

em silêncio

falando por si

Marítima

Naquela noite acordei
E tinha uma mar em minha boca
Eu estava inundada.
A princípio duvidei do fato
Até sentir o salgar em meus lábios
Que estremeciam com o rebater das ondas.
Meus olhos estavam mareados
A brisa marítima passava por minhas narinas
Podia até escutar o barulho sem precisar de conchas.
Naquela noite
Eu tinha o mar em minha boca
Naquela noite
Chorei enquanto dormia
E formei um mar de lágrimas
Empoçados em meus lábios.
Amanheceu.
O mar secou.

Naquela noite
Sequei.