segunda-feira, setembro 04, 2006

Ida

Ontem ela saiu como quem não fosse voltar
Seguia a rua escura com tamanha decisão
Todos que ali estavam não a entendiam ao certo
Mas acreditavam nela,sabiam que não voltaria
Às vezes deixava escapar um sorriso,
Sorriso de quem ouvia uma bela música
Ou a voz de um amor perdido
Nada disso!
Ela ouvia seus próprios passos a seguirem
Passos presos a um destino que ainda não tinha sido escrito
Talvez seria melhor que ela voltasse
Uma vida ela deixou esperando sentada em algum lugar
Mas isso não bastava
Ela queria mais.
Num certo momento seus passos ganham velocidade
Já não há quem a olhasse
As ruas estavam desertas,feito coração desfalecido
A chuva inundava seu caminho
O barulho das gotas é quase ensurdecedor
De repente ouve-se um “Pare!”
Como se isso bastasse...
Ela segue mais depressa então.
As águas límpidas da chuva ganham uma cor escurecida
Ao tocarem o chão
Agora era ela entre a lama e seu caminho
Isso a trás memórias.
Lembranças de tempos de lama...
Mas são apenas lembranças que não a fazem parar
Nisso ouve então um outro “Pare,por favor!”
Ela estava decidida
Cheia de chuva e lama não iria parar de maneira alguma.
A dúvida de quem poderia ser não lhe vinha à mente...
Sem precisar olhar para trás,sabia quem era,ou talvez o que era.
Olhar para trás não estava em seus planos.
E segue...e o alguém covardemente silencia-se então.
Agora era somente ela e seu destino.
As gotas caem cada vez mais fortes e rápidas
Num movimento contínuo de descarrego.
Já não é mais possível enxergar o caminho,
Este estava repleto de águas turvas
Mas ela seguia,feito um cão vadio faminto.
Seguindo seu destino pelo próprio faro.
Não sentia fome,nem medo,nem frio.Nem nada.
Aliás, sentir não fazia parte de seu percurso.
E agora em direção a um destino turvo ela segue.
Nada a espera mais a frente
Ela sabe disso.Mas por quê a pressa?
Ela não tinha pressa.
E novamente percebe-se um sorriso.
Simples,parecia feliz.
Mas como posso dizer se estava feliz?
Não a conheço.Apenas a vejo.A via.A vi.
Isso mesmo.
Agora ela desaparecera das minhas vistas.
Não sei mais aonde vais.
O seu destino é muito incerto e turvo para que eu possa vê-lo.
Ele era somente dela.Não me pertence.
Mas em meio ao barulho das derradeiras gotas de chuva,
Ouço gargalhadas ao longe.
Poderá ela ter alcançado seu destino?
Não sei,apenas a ouço.
As gargalhadas vão indo.
Tomando seu rumo.
Será ela a ter encontrado o que procurava?
Mas não me lembro se procurava algo.Apenas ia.
A chuva é cada vez mais forte.
Os estrondos fazem sua gargalhada irem sumindo
Com um certo esforço ainda as ouço ao longe.
Mas não dura por muito tempo.
Agora somente eu.
Sem ela.
Não tenhas pena de mim, caro leitor.
Sei o quão fui incompetente.
Passos a escreverem o próprio destino, eu presenciei.
Mas não fui capaz de ler.
Agora irei voltar pelo mesmo caminho.
Caminho este por onde ela não passará mais.
Agora, somente eu.
Numa ida e volta medíocre chamada “vida”. Sem sair do lugar.
Ela apenas seguiu a ida.
E foi mais longe do que eu.

sexta-feira, setembro 01, 2006

A Vida de Camundongos

“Carpe Diem!
Levanta dessa cama e sai desse quarto! Anda! Acorda!
O dia está lindo! A vida está lá fora e pede para ser vivida! Anda!”

Que saco!
Eu não quero. Estou com preguiça.
Sair? Pra quê?
Pra ver camundongos desesperados correndo atrás da Ratolândia?!

E o dia nem está tão bonito assim.
O calor é insuportável. E sem contar com o barulho infernal.

Aproveitar o quê?
Centros empresariais amontoados. Casas fortalezas.
Ternos e gravatas enfeitados com pernas e cabeça?
Com certeza não quero isso!

Essa "vontade de viver" chega a ser irritante.
Parece uma espécie de obrigação. Imposição cultural ou sei lá o quê.
Não consigo entender porque as pessoas insistem tanto em “viver” ?

Viver, viver e viver!
Que mania ordinária! Absurdamente maldita.

“Aproveito a vida enquanto há tempo!”
Tempo? Pra quê ?

Pra quê tanto desespero... A vida é curta, sim e daí?
Daí a correr pelas ruas feito ratos loucos e cegos, pisoteando uns aos outros? Que vida...

Pobres camundongos!
Vivos, e agoniados.
Agonizantes.

E então, aproveitar o quê?

Mal sabemos quem somos , ou o que somos.
O que há de sabermos sobre a vida?

Não vou afirmar "o que é aproveitar a vida”.
Se eu soubesse aqui não estaria...

Mas queria que viver fosse como... Dormir!
Dormir num sono suave e profundo. Cama macia e quentinha em noite de chuva.
E que nele pudéssemos ter pensamentos...

Só pensamentos,
coloridos quem sabe.
Que fosse um sono lento. Sem pressa, nem desespero...
Poderíamos sorrir, ou simplesmente chorar.
Correr, caminhar. Ou apenas ficar sentados, sem compromissos ou obrigação...

Nada pra fazer.
Nada pra mudar!