segunda-feira, janeiro 30, 2017

Banho negro


No banho
Queria a pele limpar
Apagar aquela cor suja
Esfregava com força para branca ficar.

Doía.
Doía muito.
E doída seguia.
A cada dia. A cada banho.

A dor sob o chuveiro não era maior
Que a que sentia por dentro.

Cada olhar. Cada piada. Cada insulto.
Sujavam sua alma com o mais imundo racismo.

Voltava para casa querendo ir embora.
Daquele lugar. Daquele mundo. Daquela cor.

Ela não tinha culpa.
Por que eu?
Por que eu?
Por que eu?

Todo dia. Todo banho.
A mesma dor.
Toda doída.

Pequena
Sob a água
Chorava sem lágrimas.

Hoje.
Grande.
Ainda chora. Ainda seca.
Mas também grita. Resiste. Luta.

E durante o banho não mais se esfrega.
Sob o cantar das águas do chuveiro
Ela dança consigo mesma.

Se acaricia. Se encobre. Se sente.
Acarinhando a própria pele
Que um dia foi maltratada.
Julgada mal lavada.
Mal amada.



(Banho negro, Gislene Ramos)